Reunião na Assembleia Legislativa sobre poluição da CMPC em Guaíba não trouxe esperança aos moradores do entorno

Aconteceu na tarde de 08 de dezembro, na Assembleia Legislativa, a primeira reunião da mesa de diálogo, formada na audiência pública de 07 de novembro, para buscar soluções efetivas aos impactos socioambientais oriundos da operação da fábrica de celulose da CMPC instalada em Guaíba, que recentemente teve sua capacidade produtiva quadruplicada.  A presente nota encontra-se originalmente no site da AMA – Amigos do Meio Ambiente, de Guaíba.

Compuseram a mesa o Diretor de Projetos da CMPC, Otemar Alencastro, acompanhado de três advogados e uma técnica ambiental da empresa; a Coordenadora do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais – Nucam do Ministério Público Estadual, Promotora Anelise Grehs; o Secretário de Planejamento de Guaíba, Jeferson Santos, e o Assessor Beto Scalco; a Presidente da Associação de Moradores do Balneário Alegria – ABA, Cristiane Simões, acompanhada de moradores; e Francisco Milanez e Heverton Lacerda, respectivamente Presidente e Secretário da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – AGAPAN; a mediação foi feita pelo Deputado Estadual Altemir Tortelli (PT), Presidente da Comissão de Saúde e Meio Ambiente.

A FEPAM não se fez presente, a omissão do poder executivo comprometeu os encaminhamentos da reunião e foi criticada pelos presentes. Acompanharam também a reunião representantes da Associação Amigos do Meio Ambiente – AMA, do Núcleo Amigos da Terra Brasil – NATBrasil, do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – InGá, do Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas – GESP, do Greenpeace, e da Coordenação da Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do RS – APEDeMA/RS, o que demonstra a coesão do movimento ambiental em torno da pauta, especialmente neste momento em que se evidenciam, de maneira muito aguda, os impactos socioambientais do modelo produtivo da celulose, que o movimento vem alertando durante todo período desta luta histórica.

Enquanto ocorria a reunião um grupo de moradores realizou, no saguão da Assembleia Legislativa, uma exposição de fotografias do projeto “Balneário Alegria” do fotografo Tiago Coelho (2o lugar no concurso da Fundação Conrado Wessel em 2015) e cartazes com fotos do arquivo pessoal da população, retratando o histórico do balneário e demonstrando a presença das residências antes da chegada da Borregaard em 1972 (ao contrário do que muitas pessoas afirmam, a comunidade habitava o local antes da instalação da planta de produção de celulose, o local abrigava dois prósperos balneários), bem como dos atuais impactos ambientais da fábrica como a serragem, os particulados e espumas que caem sobre as moradias.

 

A reunião, que teve duração de cerca de três horas, e transcorreu com momentos de clima tenso. Foi proposta uma pauta de trabalho, de comum acordo entre as partes, composta por seis pontos mais urgentes e graves enfrentados pelos moradores em função da operação da planta industrial:

1- Altos níveis de ruído;

2- Incidência de materiais particulados, serragem e espuma (da Estação de Tratamento de Efluentes – ETE) sobre as residências;

3- Presença de diferentes odores que extrapolam os limites da empresa, tais como compostos reduzidos de enxofre, cloro, cal, e voláteis oriundos da ETE;

4- Riscos à comunidade em decorrência de acidentes com potencial de vazamento de produtos tóxicos (como o dióxido de cloro) e explosões;

5- As alterações na malha viária da zona sul do município, que promoveu o fechamento e incorporação à indústria de uma das principais avenidas da região, mantendo uma única via de acesso ao centro do município que, caso obstruída, pode causar sérios transtornos à esta comunidade;

6- A fábrica de cloro que faz parte do complexo industrial.

Além destes temas urgentes, a AGAPAN e os moradores levantaram a necessidade de ampliar as discussões para as questões relativas aos monocultivos de eucalipto e aos impactos ao Lago Guaíba, que deverão ser objeto de novas audiências, conforme declarado pelo Deputado Altemir Tortelli.

Em função da complexidade de cada um dos temas só foi possível tratar do primeiro tópico, o ruído. Em termos de padrões de ruído, até agosto de 2016, a FEPAM determinava que: “os níveis de ruído gerados pela atividade industrial deverão estar de acordo com a NBR 10.151, da ABNT, conforme determina a Resolução CONAMA No 01, de 08 de março de 1990”. A Tabela 01 da referida NBR, determina níveis de critério de avaliação de ruído para diferentes tipos de ambientes externos. A classificação do tipo de ambiente externo, por sua vez, é dada pelo zoneamento do Plano Diretor Municipal (PD). Conforme o PD de Guaíba a área da CMPC é classificada como Zona Industrial Fechada – ZI Fechada, e as áreas do entorno como Macrozona de Interesse Ambiental – MCZIA (junto ao Lago Guaíba), Zona Mista 2 – ZM2, destinada à uso predominantemente residencial (Altos da Alegria e parte do Balneário Alegria) e Zona Mista 3 – ZM3, destinada à ocupação mista (residências, serviços, comércios e indústrias) que atualmente também tem uso predominantemente residencial (parte do Balneário Alegria, Jardim Iolanda, Alvorada e Ermo). Então, conforme a NBR 10.151, a área da CMPC tem limites de ruído de 70 dB diurno e 60 dB noturno, e as zonas do entorno têm limites de 55 dB diurno e 50 dB noturno. Ocorre que o Artigo 77 do PD determina que nos casos de ruas com encontro de zoneamentos, os lotes com frente para estes logradouros deverão obedecer o regime mais permissivo ou seja, as pessoas que moram nas ruas do entorno da CMPC estão submetidas a níveis de ruídos industriais.

Após reclamações e pressão dos moradores e do movimento ambiental, e por recomendação do MP (baseada em relatório técnico de vistoria), a FEPAM, em agosto de 2016, alterou o item 5.5 da Licença de Operação, que passou a ter a seguinte redação: “os níveis de ruído gerados pela atividade industrial deverão estar de acordo com a NBR 10.151, da ABNT, considerando área mista, predominantemente residencial, devendo atender o limite máximo de ruído de 55 dB no período diurno e 50 dB no período noturno, conforme determina a Resolução CONAMA No 01, de 08 de março de 1990”. Porém a empresa CMPC entrou na justiça com uma ação anulatória contra a FEPAM, que acarretou em decisão de sustação provisória de qualquer efeito de ato administrativo que determine a alteração da condicionante 5.5 da LO nº 08401/2015-DL, até que haja decisão sobre o pedido de tutela de urgência, que ocorrerá após a audiência de justificação, caso inexitosa a conciliação”. Na prática, torna os limites impostos pela FEPAM sem efeito.

A empresa admitiu que durante as obras e mesmo na operação da Linha 2 (que em conjunto com a Linha 1 existente elevou a capacidade produtiva de 450 mil toneladas de celulose por ano para 1,8 milhões de toneladas de celulose por ano), durante alguns momentos, a população foi exposta a níveis de ruído fora do permitido, e que a empresa trabalhou para resolver estes pontos, que acabaram, dentre outras questões, sendo incluídas em um Termo de Compromisso Ambiental – TCA firmado pela empresa, FEPAM e MP. O representante da CMPC, Otemar Alencastro, também alegou que foram investidos cerca de R$ 25 milhões de reais em adequações de equipamentos, que os itens do TCA foram cumpridos, mas que nem por isso a empresa esta deixando de continuar a busca por melhorias, e que além da fiscalização da FEPAM a fábrica passa por auditorias internas anuais realizadas por empresas de renome internacional. Foi informado ainda que a fábrica teria chegado no limite possível de tecnologia para conter as emissões de ruído, e que, segundo pesquisas da empresa, esta atende uma parcela expressiva da vizinhança, mas ainda assim não atende algumas pessoas. Alencastro concluiu dizendo que a CMPC não se furta de ter esta discussão, porém que para isso precisam saber o que de fato esta acontecendo para buscar uma solução, num ambiente conciliatório.

Segundo os moradores, o que está acontecendo, e se observa de fato, é que todos estes esforços não surtiram efeito prático, e a comunidade continua sendo afetada pelos ruídos da mesma forma. E ainda, apesar das declarações da empresa, de que busca ir inclusive além das questões legais, o que se constata é que, com a ação anulatória impetrada contra a FEPAM, a empresa entende que no seu entorno imediato a população deve conviver com níveis de ruído industrial, além de admitir que, devido ao seu porte e as características de suas operações, eventualmente a indústria irá emitir ruídos acima do permitido, e que a restrição imposta pelo órgão ambiental traria insegurança jurídica à empresa.

Sobre este ponto a Promotora Anelise Grehs manifestou-se dizendo que “em matéria de licenciamento ambiental não existe receita de bolo, ainda mais se tratando deste tipo de atividade de alto impacto ambiental, cada situação é uma, que exige cuidados ao meio ambiente e a população do entorno, e considerando a peculiaridade, a gravidade e a dimensão deste empreendimento, o Ministério Público tem um posicionamento contrário ao da empresa, e entende que o órgão ambiental licenciador, neste caso, deve ser mais restritivo e protetivo do que é em licenciamentos ordinários”. E fez um pedido para que a empresa reflita sobre esta questão, bem como solicitou explicações do por que a empresa, antes de entrar com a referida ação, não procurou o MP para dar as informações que apresenta neste momento.

A empresa ainda apresentou um estudo, que apresenta que somente em um ponto de amostragem o ruído estaria acima do permitido. Porém cabe ressaltar que o referido estudo realizou amostragem de ruído somente no dia 23 de novembro de 2017. Questionamos: a medição em apenas um dia, com data e hora de conhecimento da empresa, pode ser considerada representativa da realidade?

A presidente da Associação dos Moradores do Balneário Alegria, Cristiane Simões, declarou que “…fazem mais de três anos que nós estamos lutando contra todo este transtorno que se tornou o BalneárioAlegria, desde então ouvimos falar muito em melhorias, gastos de milhões, melhores tecnologias do mundo, mas para nós lá fora de nada está adiantando, o que nós tínhamos no início continua hoje, não está 50 e 55 dB, à noite acordamos com o barulho alto. A FEPAM que não está aqui e não veio na (audiência) anterior, não sei o porque, mas ela não quer falar, para mim a FEPAM não tem crédito nenhum. Vocês falam em termos técnicos, parece tudo muito bonito, mas nós moradores estamos sofrendo muito com o ruído, 10h da noite aumenta muito o ruído, não sei se imaginam que as pessoas estão fechadas em casa e aumentam a produção. Sobre o Plano Diretor, mais de uma vez questionamos o Secretário de Planejamento de Guaíba, Jeferson Santos, que afirmou que o PD regra a ocupação de solo, e não teria nada a ver com os Decibéis…”

Os moradores presentes reforçaram perguntando: qual o interesse da empresa em permitir que os moradores durmam?” E seguiram afirmando que ouvir desculpas da empresa e da prefeitura não irá resolver a situação. Sobre o laudo de ruídos apresentado pela empresa, relatam que várias vezes observaram medições serem realizadas de dentro do carro, e que os pontos são escolhidos pela empresa e FEPAM, sem nem permitir o acompanhamento dos moradores no momento das medições. E questionam se estes pontos, horários e dias refletem a realidade. Sobre a transparência, informam que o MP determinou que a empresa deveria abrir canal de comunicação, porém as pessoas que entraram com ação na justiça contra a empresa, quando reclamam ou questionam recebem como resposta um e-mail dizendo que a empresa irá se manifestar somente no processo. E exigiram que seja instalado um posto 24h do órgão ambiental junto à fábrica, para que se ateste a realidade, encerrando assim o conflito entre a versão da empresa contra a dos moradores.

Milanez, Presidente da AGAPAN fez um resgate do histórico da presença da fábrica na cidade de Guaíba, e todas as modificações que a empresa imprimiu nesta cidade, bem como a grande concentração de poder que tem sobre o poder público local. Citando o conflito do Plano Diretor, defendeu que se há o direito de morar no entorno da fábrica, este direito tem que ser garantido, em condições que permitam a qualidade de vida necessária. Disse ainda que é possível que as medições de ruído tenham sido realizadas em momentos em que a fábrica estivesse em baixa produção, já que é a própria empresa que faz seu auto monitoramento, não sendo assim confiável.

O Secretário de Planejamento de Guaíba, Jeferson Santos, esclareceu as questões relativas ao PD, e contrariando o que havia dito aos moradores, informou que as diretrizes do PD incidem, sim, sobre todas as normas legais (inclusive sobre a NBR 10.151 da ABNT), para além do simples ordenamento de uso e ocupação do solo. O Assessor Beto Scalco apresentou o posicionamento de Guaíba quanto à esta questão, informando que o município tem com a CMPC uma parceria, e entendeu a quadruplicação como importante para a cidade, porém que o poder público não se coloca apenas ao lado da empresa, tem também que olhar para os interesses da comunidade, por tanto se busca estar numa posição de mediação. Disse que já foi mencionado em outras audiências públicas, tanto pelo antigo prefeito como pelo atual, que se o município tiver que fazer desapropriações, assim o fará, e que isso estaria em fase de estudo, possibilitando assim fazer uma área de amortecimento. Ressaltou também que hoje a CMPC não é a empresa que mais arrecada para o município, mas foi até pouco tempo atrás, sendo ainda importante para a renda de Guaíba. E finalizou dizendo que, pelo que se lembra da outra audiência, os moradores não querem o fechamento da empresa.

Neste momento, os moradores retomaram a palavra e declararam que este era seu posicionamento inicial, porém em função da maneira com que as coisas estavam sendo encaminhadas, para recuperar a dignidade e garantir a saúde de seus filhos, se for preciso, entendem que a empresa deva paralisar suas atividades até se adequar. Ressaltaram ainda que lhes causa grande preocupação quando a prefeitura fala em desapropriações, pois temem que a avaliação não seja justa e imparcial e que elescontinuem com o ônus.

Em nova rodada de manifestações a Promotora Anelise Grehs pontuou que o debate estaria ultrapassando os limites por não lhe parecer que seja responsabilidade da prefeitura corrigir uma condicionante da licença ambiental da empresa (referindo-se à possibilidade de desapropriação). E informou que o MP já esteve reunido com a Secretária Adjunta de Meio Ambiente, Maria Patrícia Mollmann, em que colocou a reivindicação dos moradores para que se instalasse um posto permanente de fiscalização ambiental na empresa, o que foi respondido pela SEMA que seria impossível.

Sobre o cortinamento verde, Alencastro, da CMPC, informou que oque foi proposto era a criação de um cinturão verde com largura de 8 metros, com a finalidade de criar uma zona agradável entre as residencias e a fábrica, que nunca foi propósito da empresa, com isso, reduzir ruído ou conter material particulado, que não seria sério da parte da CMPC falar isso. E que em função da exigência de se utilizar espécies nativas, a cortina vegetal levaria cerca de 10 anos para estabelecer o porte adequado. Declarou ainda que …temos o entendimento claro de que não vamos encontrar a solução para o ruído num certo nível, por que há uma percepção, tanto para odor como para ruído, que é extremamente pessoal, é do indivíduo e não é da comunidade”. E que sempre que é informado algum transtorno particular a empresa atende, tendo interesse em resolver estas questões pontuais, deste número reduzido de pessoas que estão reclamando. Cabe ressaltar aqui que a comunidade tem um abaixo assinado com cerca de 600 assinaturas de moradores afetados pelos impactos, o que inclusive deu origem ao Inquérito Civil aberto no Ministério Público Estadual.

Encaminhamento

Como proposta de encaminhamento, a AGAPAN com o apoio dos moradores e do movimento ambiental, e concordância do Ministério Público e do Presidente da Comissão de Saúde de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, propôs que a CMPC disponibilizasse os recursos financeiros para que a comunidade escolha uma empresa independente e qualificada, para realizar mediçõesde ruído. Eduardo Raguse, Engenheiro Ambiental da AMA, acrescentou como sugestão que o MP, com recursos da empresa, coordenasse uma perícia, específica sobre a questão do ruído, com um esforçoamostral suficiente, e pontos escolhidos pelos moradores, além daqueles definidos pelo especialista contratado pela CMPC. Que fosse possível realizar medições dentro das residências das pessoas, e que fosse estabelecido um um mecanismo de gatilho em que a comunidade possa acionar a empresa contratada para que esta realize as medições naquele momento, produzindo um um monitoramento de médio a longo prazo para verificar a situação de maneira independente dos resultados da empresa e da FEPAM. Ressaltou que os limites máximos de ruído com os quais a população consegue conviver são ainda menores daqueles estabelecidos pela FEPAM após recomendação do MP, que não estão dando conta de garantir a qualidade de vida dos moradores, devendo ser mais restritivos ainda.

Depois de um longo debate sobre as condições para a realização deste monitoramento, e frente a não concordância da CMPC com os termos propostos na mesa, a proposta final foi definida, como um primeiro passo, de maneira genérica: a CMPC arcar com os custos de uma empresa escolhida pelos moradores para realizar medições em datas, horas e locais estabelecidos por estes, e com critérios que ainda devem ser analisados pela CMPC, afim de produzir um monitoramento com dados que a comunidade confie. Será realizada nova audiência em 10 dias (18 de dezembro, às 16h) momento em que a empresa deverá apresentar sua resposta.

 

 

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